Textos

Terapia Ocupacional: Uma viagem aos caminhos da saúde mental

*Patrícia Moreira Bastos

*Texto escrito em 2003.

Acredito, sob qualquer circunstancia, que o futuro sempre será o resultado da relação entre o passado e o presente, e de como esta relação pode ser vivenciada em termos de desenvolvimento, maturação e produção.

A partir desta perspectiva, foi possível, reunir tantos outros saberes, que percorreram caminhos também para a construção de conhecimentos, que felizmente contribuíram historicamente com o que fomos, somos e possivelmente seremos : nossa consciência enquanto terapeuta ocupacional.

A mente humana  grava e executa tudo que lhe é enviado,seja através de palavras, pensamentos ou atos, seus ou de terceiros, sejam positivos ou negativos, basta que você os aceite.

Essa ação sempre acontecerá, independente se traga ou não resultados positivos para você. Isto é um alerta para filtrarmos o que enviamos para nossa mente, pois ela não distingue o real da fantasia, o certo do errado, simplesmente grava e cumpre o que lhe é enviado.

Todos nós sabemos que o homem pensa, progride, e que pode agir livremente; entretanto tende a negar o que é invisível ou o que não seja percebido pelas sensações, não se dando conta que sua existência  está na sua consciência, uma consciência intencional.  (A intencionalidade da consciência significa que toda consciência  não é somente consciência, mas também consciência de alguma coisa, implicando numa relação intrínseca com o objeto.)

A consciência é o sustentáculo das operações vitais do homem, o que faz com que  viva, sinta, se locomova, e entenda; uma realidade que subsiste por si só, imaterial, espiritual, e que necessita de uma causa, que explique essencialmente a existência do homem. Tal causa não deve ser algo simplesmente acidental ou superficial, pois o sentimento, a vontade, a inteligência são realidades profundas e que caracterizam o ser humano como uma criatura peculiar, especial.

Pensar em Terapia Ocupacional é antes de tudo definir nossa visão de homem, enquanto existência, o que representa uma tarefa que exige conhecimento; e quanto mais os homens conhecem o homem, mais temerária se torna a tentativa de definição.

É em razão disso que Gabriel Marcel se refere ao homem como ?mistério?; e Sartre,  que ?o homem não é o que é, pois ele é o que não é?, o homem está sendo; é no que ele é capaz de ser e não meramente no que ele é.

O homem é um ser pensante, co-criador, e transformador de sua realidade. O auto conhecimento é possível à partir da convivência com o outro, pois viver é radicalmente conviver.  Viver, é  ser para-o-outro e com-o-outro.

O homem comporta-se à partir da racionalidade, o que lhe permite a condição de auto-determinação, enfim, de ser livre. Entretanto, essa liberdade está condicionada a um processo de maturação, no qual sua manifestação é exercida gradativamente, conforme o desenvolvimento da razão.

A liberdade, aquela que captamos em nós, é a consciência da ação exercida por uma idéia, a saber, a idéia do máximo de independência que sob a dupla relação da causalidade e da finalidade, pode atingir o eu que concebe o universal. A liberdade é a imunidade de vínculos ou marcas; podendo ser física quando dirigida aos movimentos e deslocamentos, moral quando envolve as questões legais,e, psicológica ou pessoal, também chamada de livre-arbítrio, ao permitir tomar decisões ou escolhas conforme sua vontade, inteligência  e intencionalidade.

Pensando, o homem faz, realiza, transforma e busca um rompimento com aquilo que traz em si, abrindo-se para a transcendência. O pensamento é condicionado pela ação, a vida não consiste apenas em pensar logicamente, mas também em agir.

KANT reconheceu que o homem pode utilizar seu intelecto ? sua razão, não apenas como receptor de impressões mas como criador de idéias ? a faculdade de pensar.

Quando o homem desperta para o conhecimento, passa a construir uma trilha infinita, onde se volta para sua interioridade para desvendar-se, e para exterioridade para relacionar-se com a realidade circundante, integrando-se nela e na realidade de seu ser. Então, percebe que os horizontes de sua liberdade dependem dos horizontes do seu conhecimento. A garantia do conhecer está na intencionalidade da busca da verdade. A vida humana é essencialmente ação.

O  ato de refletir e o valor do conhecimento são legitimados através da atitude.Toda ação é efeito, então, estando o ato de refletir relacionado com o ato de pensar, é a atitude pensada na verdade que qualifica o conhecimento, e não a simples e conseqüente ação motora.

O ser humano desenvolve sua vida em plenitude através da ação. O conhecimento só tem razão de ser na medida em que estimular a atividade, a ação na linha da utilidade.

Em a vida é atividade, princípio que rege tanto a vida corporal como a mental, dado que o homem nunca permanece sem fazer nada; senão faz algo útil, faz algo inútil? , segundo Francisco (1990), é possível entender que o homem é dotado de uma natureza ocupacional, o que caracterizou-o como detentor ativo de potencial de construção e transformação de sua realidade, portanto, qualquer mudança ou situação que venha trazer algum prejuízo ou disfunção ao homem, pode ser  considerado como conseqüência da ausência ou comprometimento de atividade ou ocupação, através das atividades relacionadas ao trabalho, de vida diária, de vida prática e de lazer.

É possível então perceber que quando o homem encontra-se numa situação de harmonia e equilíbrio de sua realidade, fazendo uso ativo de seu tempo-espaço, ele responde a uma manifestação de qualidade de vida e saúde. A atividade humana, é a atividade da consciência, resultado da relação entre a reflexão e a ação, mediados pela intencionalidade, vontade, e liberdade.

Para DE CARLO (2001) ? as atividades humanas são constituídas por um conjunto de ações que apresentam qualidades, demandam capacidades, materialidades e estabelecem mecanismos internos para sua realização.(…) A linguagem da ação é um dos modos de conhecer a si mesmo, de conhecer o outro, (…) darão forma e estrutura ao fazer dos sujeitos,(…) estabelecendo um sistema de relações que envolve a construção da qualidade de vida cotidiana.?

E a qualidade de vida cotidiana, nada mais é que a percepção subjetiva do sujeito sobre seu bem estar e suas condições de vida. O cotidiano não é rotina, nem a mera repetição automata de movimentos ou ações que levem um fazer por fazer. O cotidiano, segundo FRANCISCO (1988) é o espaço próprio onde o sujeito busca praticar sua atividade criativa e transformadora. É o espaço social que o sujeito ocupa, vive.

Ao longo dos meus 25 anos de atuação profissional, venho  construindo o meu fazer através de diversas concepções que têm fortalecido não só às novas definições relativas a ?complexidade do sujeito? (CARVALHO,2003), como permitido a delineação de uma nova forma de ver o homem, e conseqüentemente às novas formas de intervenção em Terapia Ocupacional, sem perder de vista o contexto sócio-histórico e cultural.

Entretanto, embora se possa estar vivenciando uma diversidade de propostas e diferentes realidades socioculturais, as igualdades e diferenças também permeiam a intervenção da Terapia Ocupacional, na medida em que se convive com um confronto entre o momento histórico de extremo avanço tecnológico, com acesso limitado para alguns personagens da humanidade, e  a luta pela aquisição de recursos básicos de sobrevivência com dignidade.

A Terapia Ocupacional, manifestada pelo terapeuta ocupacional, precisa expressar esta realidade -  é a atividade humana e a consciência de saber fazer, que justificam sua ação,  para que possa  intervir estabelecendo condições de relações sociais mais justas, assegurando através de suas ações a qualidade de vida para o homem.

Ao buscar sempre uma realidade, posiciono-me em direção do futuro; e, algumas questões importantes me vêem à mente:

Quando nos referimos a saúde mental, para qual sujeito estamos dirigidos?

Ao nos relacionarmos com o outro, o que temos aprendido, ou quem ensina a quem?

Quais os limites estabelecemos na relação terapeuta e paciente, no contexto da Saúde Mental?

Intervir no contexto da Saúde Mental representa alguma diferença para outros contextos?

(*) terapeuta ocupacional com especialização em Saúde Pública reconhecida pelo COFFITO;terapeuta ocupacional do Ambulatório de Saúde Mental do Hospital Juliano Moreira, desde 1985,Salvador-Ba.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE CARLO,Marysia M.R.Prado. & BARTALOTTI,Celina C. Terapia Ocupacional no

Brasil:fundamentos e perspectivas,Plexus,São Paulo,2001.

FRANCISCO,Berenice Rosa. Terapia Ocupacional. Papirus,Campinas,1988

GIRARDI,Leopoldo Justino. Filosofia.Acadêmica,Porto Alegre,1988.

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